Impactos da guerra entre Rússia e Ucrânia no mercado global de energia

Ecom
  • 25/03/2022
  • 8 min de leitura

Com o avanço da invasão russa à Ucrânia, os impactos geopolíticos causados pelo confronto têm afetado o mercado energético global. Essa situação, portanto, vem preocupando especialistas e demais nações, em especial os países europeus que dependem do fornecimento de gás proveniente da Rússia.

Esse alerta vermelho não é para menos, pois a Rússia ocupa o segundo posto de maior produtor de gás natural do mundo e terceiro em petróleo.

De forma geral, as transformações e incertezas causadas pelo conflito e sua duração; junto com as sanções impostas aos russos, trazem para a economia – brasileira e mundial – algumas preocupações. Por exemplo, a escalada da inflação, câmbio, juros, preços do petróleo e gás, e um menor crescimento econômico. Por isso, os países desenvolvidos também discutem suas políticas energéticas.

Como ficará o setor elétrico com a guerra entre Ucrânia e Rússia? O Brasil poderá ser beneficiado no contexto do mercado energético? Para falar sobre o tema, Luiz Barroso, CEO da PSR, e Gabriel Galípolo, ex-presidente do banco Fator, deram entrevista ao Giro Energia. Ouça o podcast aqui

Entenda as principais razões do conflito entre Rússia e Ucrânia

Entre as principais razões apontadas, estão:

  • a expansão da Otan pelo Leste Europeu;
  • a possibilidade de adesão da Ucrânia à aliança militar;
  • a contestação ao direito da Ucrânia à soberania independente da Rússia;
  • o desejo de Vladimir Putin de restabelecer a zona de influência da União Soviética.

Por um lado, a Rússia diz querer impedir o que classifica de cerco à sua fronteira. Isso ocorreria com a possível adesão da Ucrânia à Otan. Visto que, a aliança militar de 30 países, que se expandiu pelo Leste Europeu, atualmente inclui 14 países do ex-bloco comunista.

Por outro lado, a Ucrânia e outros observadores veem na guerra uma tentativa de a Rússia restabelecer a zona de controle e influência da antiga União Soviética. Algo visto como desrespeito à soberania da Ucrânia, que deveria ter o direito de decidir seu destino e suas alianças.

Cenário oposto ao de 1970

De acordo com a análise de Gabriel Galípolo, a subida dos preços do petróleo hoje é maior do foi vista nos anos 70. “Há diferenças no cenário. Em 1970, o Brasil e os Estados Unidos eram grandes importadores. Hoje, os EUA são grandes exportadores e a nossa dependência é menor. Na época, o Banco Central dos EUA teve que aumentar os juros para atenuar as pressões de inflação, que passaram a ser mais de 20% ao ano. Hoje, os bancos centrais têm mais ferramentas e estão analisando o que fazer ainda. Os programas de compra de títulos públicos nos Estados Unidos e na Europa podem ter sua velocidade de redução diminuída. Já os Estados Unidos estão discutindo acelerar investimentos em fontes renováveis, já que a tecnologia de fracking permitiu a eles exportarem energéticos”, diz o executivo.

Previsão de mudanças no cenário econômico

Quando fala sobre crédito para projetos de infraestrutura, Gabriel aponta a mudança de cenário daqui para frente.

“No começo de 2020 a taxa de juros era de 2%. Agora, fala-se em expectativa de 12% a 13%. No longo prazo, a mesma coisa: saímos de 6,5% para 12% a 13%. Esse cenário já tinha mudado com a expectativa de redução dos estímulos dos bancos centrais, que têm injetado liquidez desde 2008. Havia também a inflação vinda da pandemia. A Rússia tem participação grande no mercado de gás e de commodities; de grãos a metais. Esse impacto está aí. O cenário deve mostrar que a Rússia perderá 10%. A Ucrânia deverá perder ainda mais. Por outro lado a China pode crescer um pouco com o esforço do governo chinês de elevar o ritmo. Enquanto os EUA podem revisar pra baixo o PIB por conta de inflação mais alta. E a Europa terá menor crescimento e perda de poder aquisitivo da população”, avalia.

Quando aborda o Brasil,  Galípolo fala da relação com as commodities e como o aumento de seus preços podem trazer ganhos para setores exportadores. Além disso, esse movimento também pode levar a uma valorização da moeda. “Mas por outro lado: somos importadores de fertilizantes, o que pode criar problemas, e temos a questão dos combustíveis”.

No câmbio, o economista aponta a valorização devido aos juros reais muito elevados. “Olhando as projeções de crescimento em 2022 e 2023: teremos juros mais altos. Ou seja, algo perto de 13%, e inflação entre 6,5% e 7%. Isso terá impacto sobre o crédito. Além disso, teremos mais pressão sobre custos, porque metais estão altos e são usados em vários projetos”, conclui.

Os impactos do conflito no mercado energético

Conforme Luiz Barroso, da PSR, os impactos do mercado energético são visíveis no setor de combustíveis. “A Rússia é um fornecedor estratégico mundial de insumos, como petróleo e gás natural, sendo que a Europa é o maior consumidor desses energéticos. O custo desses produtos aumentou muito e esse aumento contamina mercados globais, trazendo pressão para todos os elos da cadeia; de insumos de produção a tecnologias como eólica e solar. Isso traz aumento de CAPEX dessas tecnologias”, avalia.

De acordo com o executivo, esse aumento, principalmente no preço do gás, poderá ter impacto sobre projetos já existentes de térmicas e a serem construídos. “Para projetos existentes, tem de ver o que diz o contrato de suprimento. Nas térmicas, tem uma indexação ao mercado internacional e tem um repasse automático para as tarifas. Pode se argumentar que em alguns contratos haverá risco de oferta física, porque supridores podem discutir força maior e buscar preços maiores lá fora. Isso poderia criar arbitragem e envolve penalidades. Já em relação ao cenário de oferta mundial: não acredito no curto prazo de problema oferta, mas, sim de preço. Se a guerra escalar e chegar a envolver várias nações, isso pode mudar, mas por enquanto a questão é de preço”, diz Barroso.

Políticas energéticas

Quando avalia um possível encerramento desse conflito, Barroso entende que haverá uma mudança na política energética, inclusive com a adoção de novas tecnologias e a corrida pelas renováveis. “Hoje há muitas incertezas sobre esse rumo e se referem a política de países. Alemanha está rediscutindo fechar nuclear, Espanha pode alongar o uso das usinas a carvão, por exemplo. A Europa vai buscar reduzir esses 40% de dependência do gás russo e obter níveis de estocagem para passar o próximo inverno. Reduzir gás da Europa significa usar mais carvão, mais nuclear e comprar gás de outros países, do Norte da África ou da Ásia. Ou seja, alguns países vão reconsiderar suas decisões de fechar essas fontes”, analisa.

Outra parte da equação será o lado da demanda, ou seja buscar mais eficiência energética e eletrificação da economia. “Não existe receita de bolo e há muita incerteza. No médio prazo, as nações vão buscar mais segurança energética e um mix com novas tecnologias”, diz.

O mercado energético no Brasil

No momento em que fala sobre o Brasil e a liderança no mercado energético, Barroso explora uma visão otimista. “O Brasil alinha dois objetivos da transição energética: a energia mais limpa é a mais competitiva e isso nos colocou na liderança. O GNL fica mais caro e o pré-sal poderá fazer esse gás natural chegar mais forte no Brasil. Ele tem um preço diferenciado e pode não ser indexado por não ser exportado. Isso cria um trunfo”.

Barroso diz ainda que, no Brasil, os fundamentos permanecem. E com o desenrolar desse novo mundo, o país fica numa posição ainda mais privilegiada. Devido à sua escala, por exemplo, e pela sua diversificação. Por isso, o país pode se tornar uma potência descarbonizante. “O preço do petróleo mais alto pode acelerar os biocombustíveis e a eletrificação da frota. Teremos de saber quais serão as prioridades desse novo mundo que está surgindo”, conclui Barroso. As entrevistas completas você confere em nosso podcast, o Giro Energia. Acesse aqui.

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