A nova estatização da energia no Chile

Andrea Kuster
  • 13/08/2021
  • 4 min de leitura

No artigo de hoje vamos trazer uma atualização sobre o cenário do mercado de energia no Chile. Recentemente, aprovou-se a aquisição de participação acionária da Compañía General de Electricidad (CGE) e CGE Servicios S.A.. A decisão foi anunciada pela Fiscalía Nacional Económica (FNE), instituição chilena responsável por promover e defender a livre concorrência no país. A compradora é a State Grid International Development Limited (SGIDL), empresa atualmente controlada pela Comissão de Supervisão e Administração de Ativos Estatais (SASAC). A entidade pública da República Popular da China conseguiu o consentimento para aquisição das ações, após a FNE concluir que a operação de concentração mencionada não prejudicará a livre concorrência.

Com a efetivação da referida operação, e considerando a aquisição de 100% da Chilquinta Energía S.A. pela mesma empresa em 2020, a SGIDL terá uma participação de 56,6% no segmento de distribuição de energia elétrica no Chile. Além disso, a estatal chinesa também tem participações nos segmentos de transmissão, geração e comercialização de materiais elétricos no país. Ademais, desde março deste ano, a CGE Comercializadora SpA passou a participar do balanço de repasses econômicos do Coordenador Elétrica Nacional. Ou seja, isso nos leva a supor que ao menos existe a intenção de participar do mercado de comercialização.

Vale lembrar que outro grande ator do segmento de distribuição de energia elétrica no Chile é a ENEL Distribución S.A.. 99,09% do capital social dessa empresa pertence à ENEL Chile S.A., sendo 64,10% detida pela ENEL SpA, sociedade cujo acionista maioritário é o governo italiano. Dessa forma, estes dois players, ENEL e SGIDL, têm uma participação de 86,5% no segmento de distribuição no Chile.

Definitivamente, o fenômeno chama a atenção sob uma perspectiva que vai além da livre concorrência. A pergunta é: estaremos diante de uma nova estatização de empresas do setor elétrico?

Anos 80: Início das privatizações no setor de energia no Chile

O processo de desestatização de empresas do setor de energia no Chile iniciou na década de 80. A motivação para a desestatização estava alinhada com o objetivo de concentrar as atividades governamentais na gestão pública. Sob o mesmo ponto de vista, buscava-se entregar à iniciativa privada o desenvolvimento das atividades de caráter econômico no país.

No entanto, o que estamos vendo hoje é um fenômeno progressivo ao menos curioso. Afinal, um setor que havia se desestatizado com o objetivo de permitir que a iniciativa privada fosse o seu motor, começa a se concentrar nas mãos de capital estatal, dessa vez estrangeiro. Logo, assistimos a uma “nova estatização” do segmento de distribuição de energia elétrica. Porém, ao contrário da realidade anterior à reforma de 1982, hoje quem concentra a titularidade das empresas do setor não é o Estado do Chile.

Trata-se de uma realidade que não deve ser ignorada pelas autoridades e exige uma análise sob a ótica dos diversos interesses públicos que podem estar em jogo. Como País, queremos que a propriedade de uma infraestrutura estratégica, como a distribuição de energia elétrica, permaneça sob o controle de outros Estados? Independentemente do modelo econômico que se implemente no processo constituinte, devemos nos perguntar: Qual papel terão essas empresas que efetivamente respondem a outros Estados, principalmente em setores estratégicos?

Mercado energético chileno deve mirar regulamentação

Não se trata aqui de nos colocarmos em posição antagônica ao recebimento de investimentos estrangeiros. Assim como entendemos que não cabe ao FNE analisar este assunto. Todavia, parece ser necessário realizar uma profunda análise sobre os possíveis efeitos que este tipo de fenômeno pode gerar nas áreas da segurança e soberania nacionais. Assim, será possível definir a posição do país sobre essas questões.

Portanto, como hoje temos limitações na participação de players do segmento de transmissão, talvez possamos fazer o mesmo para outros setores. Por fim, talvez seja prudente nos perguntar se não é o caso de desenhar uma regulamentação que também estipule limites para a participação de empresas estatais estrangeiras em setores estratégicos como a distribuição de energia elétrica.

Conteúdo relacionado