Nos últimos 20 anos, o setor elétrico brasileiro passou por diversas transformações e o Mercado Livre de Energia se tornou o principal vetor de expansão do segmento de geração de energia no Brasil. O país tem hoje 34,5% de sua energia elétrica sendo consumida no Ambiente de Contratação Livre (ACL), mas nem sempre foi assim. Para chegar a esse percentual, foram necessários quase 27 anos.
Em julho de 1995 ocorreu o marco regulatório do setor, quando houve a sanção do mercado livre de energia. Junto, vieram uma série de privatizações para estimular a competição no setor. Nesse momento, o mercado tomou corpo impulsionado pelas sobras de energia decorrentes da economia feita por consumidores industriais, comerciais e residenciais. Na sequência, em 1998, seu funcionamento entrou em vigor com o início da operação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que homologou regras e fixou diretrizes para sua implantação.
Com a CCEE, o mercado alcançou outros avanços como a implementação de leilões e a liquidação do mercado de curto prazo das sobras de energia, por exemplo. O restante é história, com a regulamentação da comercialização de energia, a chegada dos consumidores especiais e a figura do comercializador varejista, entre outros. Até 2021, onde o limite mínimo para entrada no ACL passou a ser de 1500 kW e, mais recentemente, a diminuição para 1000 kW. Tudo isso para chegar na abertura total, a partir de 2024, com demanda ainda menor: 500 kW.
Ao olharmos para o desempenho do mercado livre no ano passado, vemos que a onda de migração permanece com números significativos: 126 agentes e 464 unidades consumidoras por mês, o que sinaliza uma tendência positiva para os próximos anos. De acordo com o mais recente estudo da CCEE, as quase 70 mil unidades consumidoras do grupo A, dentro da faixa do ambiente livre (0,5MW), engrossam o potencial de crescimento da migração para o ACL. Sem contar os 11,3 milhões do grupo B, não incluindo a classe residencial, na expectativa por finalmente usufruir da liberdade de escolha do seu fornecedor de energia e muitas outras vantagens.
Como se não bastassem os grandes desafios que envolvem o setor elétrico desde sempre, sejam ligados à infraestrutura ou à descarbonização da nossa matriz, busca por eficiência energética, redução de custos ou aumento da demanda; incluindo a retomada no pós-pandemia, o mercado de energia continua motivado a seguir em frente explorando oportunidades.
Nesse cenário, o debate em cima do Projeto de Lei 414/2021, também chamado de “novo marco do setor elétrico”, mostra-se ainda mais desafiador. Há muitos atores do mercado envolvidos e providências a serem tomadas para se chegar ao seu equilíbrio, ou seja, as velhas-novas demandas precisam se fundir em prol da modernização, definitivamente.
Como um todo, quando pensamos no mercado de energia, os esforços incluem ainda aspectos importantes de motivação à pesquisa e ao desenvolvimento das inovações tecnológicas no setor energético. Essa nova arquitetura de distribuição de energia elétrica na era digital se desenha inserida no contexto da internet das coisas, big data, computação em nuvem, inteligência artificial e o que mais vier à frente. Com isso, configuram-se as tendências tecnológicas dos próximos anos conectando tais recursos às tecnologias desenvolvidas por meio das fontes renováveis, exigindo adequação da regulação, operação e comercialização de energia.
Alinhar o Brasil com o que há de mais atual no que se diz respeito à regulação dos serviços de eletricidade, apontam-nos reflexões importantes. A modernização traz aspectos positivos, sem dúvida, mas há de se debruçar sobre os gargalos com a mira apontada para o crescimento sustentável. Isso engloba principalmente, no que tange à segurança de mercado, a evolução de garantias e do monitoramento para assegurar a liquidez financeira; além de outros temas como sobrecontratação, contratos legados, vulnerabilidade técnica dos consumidores, medição inteligente, papel e responsabilidades do SUI e do comercializador regulado, maior exposição ao risco pelos comercializadores, os novos leilões de capacidade e, não menos importante, a formação de preço, ou seja, a variação não natural do preço é ponto de atenção para a modernização do setor, visto os impactos nos agentes.
Muito aguardado por massiva parcela do mercado de energia, a expectativa é de que o PL 414/2021, aprovado na Comissão de Infraestrutura do Senado em março de 2020, tenha sua análise destravada ainda este ano. Porém, não é tão simples devido à complexidade que o tema exige. O projeto necessita mais tempo para debate e ajustes, ainda mais em ano eleitoral.
Em resumo, os benefícios são tão diversos quanto seus pontos de atenção. O texto onde se prevê que os todos consumidores poderão negociar energia com liberdade, precisa encontrar seu propósito “direcionador” da modernização, puxando o fio condutor certeiro que beneficie todo o setor; empresas de energia e consumidores. Logo e, contrariando a realidade mundial, finalmente posicionar o Brasil no Top 5 em liberdade energética.
Artigo publicado no Canal Energia em 09/03/2022