Previsibilidade e segurança regulatória são condições fundamentais para gerar um ambiente propicio à captação de investimentos e ao desenvolvimento dos negócios, em qualquer tipo de mercado. Sabemos que, no Brasil, essas condições são menos “previsíveis” e isso faz com que o ato de empreender e investir em nosso País se torne, muitas vezes, mais arriscado do que em outros locais, motivo pelo qual investidores buscam, aqui, taxas de retorno maiores do que em outros países que proporcionam regras mais estáveis. Isso faz parte do nosso cenário nacional e os empresários brasileiros e estrangeiros, que investem no Brasil, sabem dessa “imprevisibilidade” regulatória e, de certo modo, se continuam investindo, é porque aceitam e precificam esse risco.
Até aí tudo bem.
Mas existe algo no setor elétrico que tem a ver com a jabuticaba brasileira. Só existe aqui.
Trata-se da republicação do preço da energia no mercado spot, o chamado PLD (Preço de Liquidação de Diferença). E isso não se trata de uma falta de previsibilidade futura. É algo natural em um mercado onde o preço futuro é calculado por modelos e métricas matemáticas. Estamos falando de uma falta de previsibilidade passada. Sim, no setor elétrico brasileiro até o passado é imprevisível.
Ou seja, um determinado preço de energia publicado e usado para precificar diversas operações de compra e venda de energia no mercado de curto prazo pode ser recalculado para mais ou para menos, meses depois de sua publicação. Pode parecer incrível e improvável, mas é verdade e acontece, gerando uma incerteza quanto ao resultado de operações passadas na compra e venda de energia.
Para fins de comparação é como se o Banco Central republicasse a taxa de juros de um ano atrás ou revisasse a taxa de câmbio do mês passado, informando ao mercado que houve um erro no cálculo do valor. Já imaginou o impacto disso? Pois no mercado de energia não é diferente. A cada republicação do PLD, vários agentes são impactados, onde alguns saem ganhando e outros perdendo, mesmo depois de terem considerado em seus balanços e nas suas respectivas operações.
Certamente esse aspecto é algo que precisa ser corrigido, pois um agente seja ele gerador, distribuidor, comercializador ou consumidor, não pode ter o resultado de uma operação de compra e venda de energia revisto, meses após a operação ter sido realizada, nem para mais nem para menos. Isso gera não somente uma grande incerteza a todos os agentes do mercado, como traz consigo a possibilidade de judicialização do setor no caso de algum agente se sentir prejudicado, fato que, inclusive, já aconteceu.
Infelizmente a regulamentação atual do setor elétrico permite que a ANEEL avalie e autorize eventuais revisões e republicações do PLD, portanto, a Agência está atuando de acordo com a regra vigente e não está fazendo nada de errado.
Contudo, o que precisamos é que a regulamentação seja revisada e, com isso, seja eliminada a possibilidade de republicação do PLD, mesmo em caso de erros no cálculo da formação do preço, e que qualquer correção seja sempre feita a partir das próximas publicações, mas nunca em relação a preços já publicados e utilizados em operações passadas.
Esse problema poderia ser facilmente resolvido caso o preço do mercado spot fosse praticado por mecanismos de oferta e demanda, livremente precificados pelo mercado e não atrelados ao CMO (Custo Marginal de Operação), como é feito hoje. Mas enquanto não chegamos a este ponto, é fundamental que haja uma alteração na regulamentação do setor elétrico e seja imediatamente eliminada a possibilidade de republicação do PLD.
No setor elétrico brasileiro, assim como na vida, precisamos ter certeza de que o passado realmente passou.