Com o avanço da invasão russa à Ucrânia, os impactos geopolíticos causados pelo confronto têm afetado o mercado energético global. Essa situação, portanto, vem preocupando especialistas e demais nações, em especial os países europeus que dependem do fornecimento de gás proveniente da Rússia.
Esse alerta vermelho não é para menos, pois a Rússia ocupa o segundo posto de maior produtor de gás natural do mundo e terceiro em petróleo.
De forma geral, as transformações e incertezas causadas pelo conflito e sua duração; junto com as sanções impostas aos russos, trazem para a economia - brasileira e mundial - algumas preocupações. Por exemplo, a escalada da inflação, câmbio, juros, preços do petróleo e gás, e um menor crescimento econômico. Por isso, os países desenvolvidos também discutem suas políticas energéticas.
Como ficará o setor elétrico com a guerra entre Ucrânia e Rússia? O Brasil poderá ser beneficiado no contexto do mercado energético? Para falar sobre o tema, Luiz Barroso, CEO da PSR, e Gabriel Galípolo, ex-presidente do banco Fator, deram entrevista ao Giro Energia. Ouça o podcast aqui.
Entre as principais razões apontadas, estão:
Por um lado, a Rússia diz querer impedir o que classifica de cerco à sua fronteira. Isso ocorreria com a possível adesão da Ucrânia à Otan. Visto que, a aliança militar de 30 países, que se expandiu pelo Leste Europeu, atualmente inclui 14 países do ex-bloco comunista.
Por outro lado, a Ucrânia e outros observadores veem na guerra uma tentativa de a Rússia restabelecer a zona de controle e influência da antiga União Soviética. Algo visto como desrespeito à soberania da Ucrânia, que deveria ter o direito de decidir seu destino e suas alianças.
De acordo com a análise de Gabriel Galípolo, a subida dos preços do petróleo hoje é maior do foi vista nos anos 70. “Há diferenças no cenário. Em 1970, o Brasil e os Estados Unidos eram grandes importadores. Hoje, os EUA são grandes exportadores e a nossa dependência é menor. Na época, o Banco Central dos EUA teve que aumentar os juros para atenuar as pressões de inflação, que passaram a ser mais de 20% ao ano. Hoje, os bancos centrais têm mais ferramentas e estão analisando o que fazer ainda. Os programas de compra de títulos públicos nos Estados Unidos e na Europa podem ter sua velocidade de redução diminuída. Já os Estados Unidos estão discutindo acelerar investimentos em fontes renováveis, já que a tecnologia de fracking permitiu a eles exportarem energéticos”, diz o executivo.
Quando fala sobre crédito para projetos de infraestrutura, Gabriel aponta a mudança de cenário daqui para frente.
“No começo de 2020 a taxa de juros era de 2%. Agora, fala-se em expectativa de 12% a 13%. No longo prazo, a mesma coisa: saímos de 6,5% para 12% a 13%. Esse cenário já tinha mudado com a expectativa de redução dos estímulos dos bancos centrais, que têm injetado liquidez desde 2008. Havia também a inflação vinda da pandemia. A Rússia tem participação grande no mercado de gás e de commodities; de grãos a metais. Esse impacto está aí. O cenário deve mostrar que a Rússia perderá 10%. A Ucrânia deverá perder ainda mais. Por outro lado a China pode crescer um pouco com o esforço do governo chinês de elevar o ritmo. Enquanto os EUA podem revisar pra baixo o PIB por conta de inflação mais alta. E a Europa terá menor crescimento e perda de poder aquisitivo da população”, avalia.
Quando aborda o Brasil, Galípolo fala da relação com as commodities e como o aumento de seus preços podem trazer ganhos para setores exportadores. Além disso, esse movimento também pode levar a uma valorização da moeda. “Mas por outro lado: somos importadores de fertilizantes, o que pode criar problemas, e temos a questão dos combustíveis”.
No câmbio, o economista aponta a valorização devido aos juros reais muito elevados. “Olhando as projeções de crescimento em 2022 e 2023: teremos juros mais altos. Ou seja, algo perto de 13%, e inflação entre 6,5% e 7%. Isso terá impacto sobre o crédito. Além disso, teremos mais pressão sobre custos, porque metais estão altos e são usados em vários projetos”, conclui.
Conforme Luiz Barroso, da PSR, os impactos do mercado energético são visíveis no setor de combustíveis. “A Rússia é um fornecedor estratégico mundial de insumos, como petróleo e gás natural, sendo que a Europa é o maior consumidor desses energéticos. O custo desses produtos aumentou muito e esse aumento contamina mercados globais, trazendo pressão para todos os elos da cadeia; de insumos de produção a tecnologias como eólica e solar. Isso traz aumento de CAPEX dessas tecnologias”, avalia.
De acordo com o executivo, esse aumento, principalmente no preço do gás, poderá ter impacto sobre projetos já existentes de térmicas e a serem construídos. “Para projetos existentes, tem de ver o que diz o contrato de suprimento. Nas térmicas, tem uma indexação ao mercado internacional e tem um repasse automático para as tarifas. Pode se argumentar que em alguns contratos haverá risco de oferta física, porque supridores podem discutir força maior e buscar preços maiores lá fora. Isso poderia criar arbitragem e envolve penalidades. Já em relação ao cenário de oferta mundial: não acredito no curto prazo de problema oferta, mas, sim de preço. Se a guerra escalar e chegar a envolver várias nações, isso pode mudar, mas por enquanto a questão é de preço”, diz Barroso.
Quando avalia um possível encerramento desse conflito, Barroso entende que haverá uma mudança na política energética, inclusive com a adoção de novas tecnologias e a corrida pelas renováveis. “Hoje há muitas incertezas sobre esse rumo e se referem a política de países. Alemanha está rediscutindo fechar nuclear, Espanha pode alongar o uso das usinas a carvão, por exemplo. A Europa vai buscar reduzir esses 40% de dependência do gás russo e obter níveis de estocagem para passar o próximo inverno. Reduzir gás da Europa significa usar mais carvão, mais nuclear e comprar gás de outros países, do Norte da África ou da Ásia. Ou seja, alguns países vão reconsiderar suas decisões de fechar essas fontes”, analisa.
Outra parte da equação será o lado da demanda, ou seja buscar mais eficiência energética e eletrificação da economia. “Não existe receita de bolo e há muita incerteza. No médio prazo, as nações vão buscar mais segurança energética e um mix com novas tecnologias”, diz.
No momento em que fala sobre o Brasil e a liderança no mercado energético, Barroso explora uma visão otimista. “O Brasil alinha dois objetivos da transição energética: a energia mais limpa é a mais competitiva e isso nos colocou na liderança. O GNL fica mais caro e o pré-sal poderá fazer esse gás natural chegar mais forte no Brasil. Ele tem um preço diferenciado e pode não ser indexado por não ser exportado. Isso cria um trunfo”.
Barroso diz ainda que, no Brasil, os fundamentos permanecem. E com o desenrolar desse novo mundo, o país fica numa posição ainda mais privilegiada. Devido à sua escala, por exemplo, e pela sua diversificação. Por isso, o país pode se tornar uma potência descarbonizante. “O preço do petróleo mais alto pode acelerar os biocombustíveis e a eletrificação da frota. Teremos de saber quais serão as prioridades desse novo mundo que está surgindo”, conclui Barroso. As entrevistas completas você confere em nosso podcast, o Giro Energia. Acesse aqui.